Senador viaja em jatinho de investigado por ele mesmo na CPI das bets

O senador Ciro Nogueira (PP-PI), da CPI das bets, decolou para Mônaco em jatinho de dono de casa de apostas investigado na comissão.

Senador e jatinho investigado - Ciro Nogueira
Sem pudor: Nogueira se diverte em viajem de jatinho de investigado na CPI das bets, da qual é membro.
Foto: Partido Progressista PI.

João Batista Jr./Revista Piauí

Reedição Guilherme Augusto Zacharias

Em cima do palco onde foi realizada a filiação de Guilherme Derrite ao Progressistas, na casa de eventos Vila JK, em São Paulo, na noite da quinta-feira (22/05), o senador Ciro Nogueira olhava inquieto para o relógio. Em outros momentos, como durante o discurso da deputada federal e líder do Podemos Renata Abreu, ele se concentrava em uma intensa troca de mensagens por WhatsApp.

Nogueira estava ali para celebrar o retorno de Derrite ao partido que preside, com a ideia de lançar o secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo para uma vaga ao Senado nas eleições de 2026. Havia, porém, outra agenda importante naquela noite, razão pela qual o senador evaporou do local às 20h30, tão logo foram encerradas as formalidades. Ele partiu rumo à cidade de São Roque, onde fica localizado o São Paulo Catarina Aeroporto Executivo Internacional, destinado a jatos privados.

Às 23h30, decolou de lá um avião Gulfstream G650ER, avaliado em torno de 70 milhões de dólares, propriedade do empresário piauiense Fernando Oliveira Lima, conhecido como Fernandin OIG, presidente e fundador da One Internet Group, da área de tecnologia, que investe no ramo de bets. “Bora subir a ladeira”, postou Fernandin em sua conta no Instagram, mostrando uma manta da Hermès com a marca bem aparente e o trajeto do voo entre o interior de São Paulo e a cidade de Nice, na Riviera Francesa. O senador Ciro Nogueira não aparece no retrato, mas ele também estava dentro do avião.

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O conforto do jatinho é só o presságio de uma viagem que promete dias e noites inesquecíveis. A começar pela hospedagem no barco de 80 metros alugado pelo empresário do ramo de bets, já ancorado na marina de Mônaco e postado no Instagram de Fernandin, que conta com 1,1 milhão de seguidores. O objetivo da excursão é assistir ao Grande Prêmio de Mônaco neste domingo, a etapa mais técnica de toda a temporada da F-1, liderada pelo australiano Oscar Piastri, da McLaren.

Fernandin é um dos grandes responsáveis por disseminar as apostas online no Brasil. Sua empresa é dona da 7 Games Bet, que disponibiliza uma série de jogos, entre eles o Fortune Tiger, o “jogo do tigrinho”. A CPI do Senado que investiga as bets levantou a suspeita de que a OIG seja a representante do Fortune Tiger no país e opere o jogo em diversas outras plataformas, mas Fernandin negou essa informação em depoimento à comissão. Na ocasião, ele pediu perdão caso gaguejasse. Argumentou ter estudado até o primeiro ano do ensino médio. Estimou o faturamento de sua empresa em torno de 200 milhões de reais por ano.

Senador e jatinho investigado - Fernandin OIG
Fernandin OIG é um dos grandes responsáveis por disseminar as apostas online no Brasil.
Foto: Internet

Amigo

Durante sua fala, seu conterrâneo Ciro Nogueira estava na plateia – e saiu em sua defesa quando a senadora Soraya Thronicke, relatora da comissão, afirmou ser mais fácil encontrar o papa Francisco, então vivo, do que Fernandin, dada a demora para conseguir intimá-lo à CPI. Nogueira, que integra a comissão, falou ao microfone que isso “não é verdade”, que o seu amigo (“eu conheço ele há muito tempo”) reside em seu Estado, o Piauí, e que, portanto, sempre esteve disponível para ser encontrado.

Depois de ter comparecido à CPI na condição de testemunha, Tronique listou possíveis contradições em sua fala e o reconvocou à comissão, dessa vez como investigado, mas ele ainda não compareceu ao Senado para um novo depoimento.

O empreendedor piauiense de 34 anos é uma dessas figuras que chamam a atenção pelas conexões poderosas e ascensão rápida. Ele começou a carreira como empresário do humorista e influencer Whindersson Nunes e depois abriu uma empresa de desenvolvimento de games. Prosperou. Hoje vive cercado de luxo e amigos famosos.

O mesmo avião que deu carona para Ciro Nogueira já levantou outro voo de repercussão ruidosa ao levar para a Grécia o ministro Kássio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal, a fim de celebrar o aniversário do cantor sertanejo Gusttavo Lima, por sinal uma das celebridades pioneiras na propaganda de bets.

Procurado por meio de sua assessoria de imprensa e diretamente por WhatsApp, que mostrava seu status online, Nogueira não se manifestou.

Um filme de três minutos contando a biografia de Guilherme Derrite foi exibido em um enorme telão de LED ao fundo do palco na quinta-feira para dar início ao evento do secretário de Segurança Pública de São Paulo. O ex-tenente da Rota deixou o Partido Liberal rumo ao Progressistas em uma noite que reuniu cerca de 1 mil convidados, entre eles prefeitos de pelo menos 86 cidades comandadas pelo partido presidido pelo senador Ciro Nogueira. Trata-se de um retorno às origens. Derrite foi eleito deputado federal pela primeira vez em 2018 pelo Progressistas e, nas eleições de 2022, migrou ao PL para engrossar a base do bolsonarismo. Ainda que a mudança seja natural, não deixou de ser simbólico ter conseguido reunir Nogueira, seu novo chefe, e Valdemar Costa Neto, dirigente do PL, que acaba de perdê-lo de seu quadro, num mesmo evento.

O clima de compadrio foi explicado por Costa Neto, de cima do palco. “Tivemos de abrir mão de Derrite para fazermos dois senadores conservadores em São Paulo, um do PL e outro do PP”, disse. Nas eleições de 2026, estarão em jogo duas vagas do Senado – e Eduardo Bolsonaro será o candidato do partido de Costa Neto. Derrite se viu obrigado a mudar de barco.

Traição

Estavam em cima do palco bastiões da direita nacional. Além de Costa Neto e Nogueira, prestigiaram o evento de filiação Antonio Rueda, presidente do União Brasil, Renata Abreu, presidente do Podemos, Gilberto Kassab, presidente do PSD e secretário de Governo e Relações Institucionais do estado de São Paulo, Esperidião Amin, senador de Santa Catarina pelo Progressistas. A presença de maior peso foi a de Tarcísio de Freitas, do Republicanos, governador paulista e principal nome da direita para disputar as eleições presidenciais de 2026.

Notoriamente mais magro, Freitas foi o último a falar ao microfone. Embora Derrite esteja à frente da pasta que tem trazido as maiores críticas à sua gestão – com questões como aumento da letalidade policial e dos índices de criminalidade, com notícias de graves erros operacionais e casos recorrentes de cidadãos assassinados durante roubos de celular–, o governador afirmou que o secretário é a maior liderança do país para resolver questões de segurança pública. “Derrite tem consistência técnica, é um estudioso sobre o tema. São Paulo tem o menor indicador de roubos e furtos de todos os tempos”, disse o governador.

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As falas do governador são desmentidas pelos inúmeros dados oficiais. O número de roubos e furtos de alianças, um bom termômetro para a situação geral, cresceu 68% no primeiro trimestre de 2025 no estado de São Paulo. Segundo registros oficiais, entre janeiro e março de 2025, 1.333 alianças e anéis foram roubados ante 851 no mesmo período de 2024. (Ao sair do evento, a reportagem da piauí testemunhou o roubo de um celular na esquina da Rua Guarará com a Alameda Joaquim Eugênio de Lima, na região dos Jardins, em frente ao Nobar. Um ladrão de moto arrancou o aparelho, aparentemente um iPhone, da mão de um homem que falava ao telefone. Eram 20h50.)

Oficialmente, o propósito do evento foi lançar a campanha de Derrite ao Senado, com a pauta da segurança. Mas o encontro preparou terreno para algo maior. Caso Tarcísio de Freitas se viabilize como candidato a presidente, Derrite é o nome mais cotado para disputar o governo paulista. Por isso, bolsonaristas enxergaram no evento uma traição ao nome de Jair Bolsonaro. O fato de o ex-presidente sequer ter sido citado, assim como o nome de seu filho Eduardo, reforçou essa impressão.

Era preciso passar por revista de seguranças para entrar no evento. Painéis promocionais mostravam o rosto de Guilherme Derrite ao lado de um QR Code, que levava a um grupo de transmissão de WhatsApp do político. Havia no espaço inúmeras lideranças do Progressistas de outros estados. Os prefeitos e deputados de locais menos conhecidos ficaram sentados ou em pé dentro do salão principal. Do lado direito do palco, um mezanino funcionou como área VIP. Dentro dela, além de políticos, chamou a atenção a presença de Zeca Romano, empresário do ABC paulista do ramo de transportes, com ligações com políticos de todos os espectros ideológicos.

Senador e jatinho investigado - jato Gulfstream G650ER
Figura 1O jato Gulfstream G650ER, avaliado em torno de 70 milhões de dólares, cerca de R$ 396,2 milhões, de propriedade de Fernandin OIG.

Festança

Romano é um grande amigo de Derrite e de Maurício Neves, deputado federal e presidente do diretório paulista do Progressistas. Em dezembro do ano passado, Romano deu carona em seu avião, o jato Bombardier Global 5000 de prefixo PS-STP, para Derrite e Neves. O trajeto foi de Brasília ao aeroporto Catarina. Esse mesmo jato de Romano decolou do Catarina com destino à bela Barra Grande, na divisa do Piauí com o Maranhão, onde o senador Ciro Nogueira havia comemorado seu aniversário com uma festa de arromba com vista para as dunas e o mar, em novembro. Derrite comentou com diversos amigos que iria ao Piauí para a festança do agora chefe de seu partido. Procurado na ocasião, Derrite disse não precisar dar satisfações quando se trata de eventos privados.

No dia 6 de maio, Derrite pediu afastamento do cargo de secretário para viajar para participar de eventos como o “Person of the Year”, celebração anual onde o lobby corre solto, realizado por empresários e políticos brasileiros, em Nova York. Nos Estados Unidos, Derrite, onde se encontrou com Eduardo Bolsonaro, Ciro Nogueira e o cantor Gusttavo Lima. Coincidentemente, o jato de Zeca Romano voou do Catarina para o Aeroporto Teterboro, destinado a pousos e decolagens de aeronaves privadas, em Nova Jersey, onde ficou estacionado até o dia 15 de maio, quando voou para Roma. Procurado pela piauí, o secretário negou ter voado no jato de seu amigo, enviou suas passagens aéreas via avião comercial e se manifestou por meio de nota:

Guilherme Derrite cumpriu agenda institucional nos Estados Unidos, com compromissos relacionados à segurança pública e à troca de experiências com forças policiais internacionais. A viagem teve início no dia 10 de maio e incluiu visitas técnicas ao Corpo de Bombeiros de Nova York, onde acompanhou treinamento de atuação em situações com atirador ativo, além de compromissos com a Polícia de Nova York (NYPD) e o Fusion Center. O secretário também participou como palestrante em um ciclo de conferências, a convite da Universidade de Georgetown, que ocorreu entre os dias 12, 13 e 14. As despesas das viagens de ida e volta, realizadas em voos comerciais, foram custeadas pela organização do evento.”

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