Politização da morte: Livro mostra a marca das fake news sobre a COVID-19

“Não era só uma gripezinha, mas desinformação” revela práticas de um mercado da comunicação desinformativo e as estratégias de fact-checking (checagem de fatos) em seu enfrentamento às fake news.

Politização da morte - Livro mostra a marca das fake news sobre a COVID-19
Quando foi dada oficialmente como encerrada, a covid-19 havia deixado um rastro de 700 mil mortes no Brasil. Fotos: Altemar Alcantara/Secom/Prefeitura de Manaus, divulgação Editora Insular e montagem Casa Texto

Allysson Viana Martins

Professor dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) e em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente (PGDRA), Universidade Federal de Rondônia (UNIR)

Juliana Fernandes Teixeira

Professora do Departamento de Comunicação Social na Universidade Federal do Piauí (UFPI) e do Programa de Pós- graduação em Comunicação (PPGCOM), Universidade Federal do Ceará (UFC)

Reedição Guilherme Augusto Zacharias

Em março de 2020, o mundo se deparou com uma doença que alterou o cotidiano de todos, sobretudo as formas de nos relacionarmos. A promulgação da pandemia da covid-19 naquele mês declarou a necessidade do afastamento social e estimulou maneiras de contato pessoal por meio das tecnologias digitais baseadas na internet. Até o seu oficial encerramento quatro anos depois, a doença matou mais de 700 mil pessoas apenas no Brasil, alterando nossas vidas de uma forma sem precedentes.

Embora tenha sido possível identificar algumas possibilidades neste cenário, o que mais se verificou, ao menos no campo comunicacional, foi uma outra doença: a infodemia de desinformação, especialmente com foco na nova doença. Neste cenário, agências de checagem estudadas por nós, como a Fato ou Fake e a Lupa, desempenharam papel relevante, mas ainda insuficiente para lidar com a magnitude do problema, que promete permanecer na sociedade pelas próximas décadas.

Até porque o problema não é apenas a quantidade de fake news que se propaga, mas a crença nela e a descrença no jornalismo e em outras instituições como ciência e política de Estado. Isso torna a internet um terreno fértil para a circulação de informações falsas, muitas delas com potencial de afetar diretamente a saúde pública e as decisões individuais até mesmo diante de uma crise sanitária mundial.

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Isso foi confirmado pelos resultados da pesquisa, financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq Universal, de 2021, e com apoio para publicação em formato de livro da Fapero – Fundação Rondônia de Amparo ao Desenvolvimento das Ações Científicas e Tecnológicas e à Pesquisa do Estado de Rondônia. Esse trabalho encontra-se sintetizado no livro “Não era só uma gripezinha, mas desinformação” (2025).

A desinformação, ou desordem informacional, é compreendida no livro como um complexo movimento que confunde e engana de, pelo menos, três formas. A primeira trata das fake news em si, que se referem às informações falsas e mentirosas. O segundo aspecto são os erros e enganos, que acometem até veículos jornalísticos, que depois acabam se corrigindo. Por fim, existem as

descontextualizações, que são informações verdadeiras, mas enviesadas e recortadas, nos levando a conclusões erradas.

Politização da morte - Livro mostra a marca das fake news sobre a COVID-19 - desinformação
A desinformação, ou desordem informacional, é compreendida no livro como um complexo movimento que confunde e engana.

A avaliação de 656 checagens na primeira onda da covid-19 (janeiro a setembro de 2020) permitiu identificar que as fake news checadas pelas duas agências seguiam um padrão preocupante: tinham como tema majoritário a Política e a Morte em torno da pandemia. Foi constatada, ainda, a prioridade conferida à checagem de informações realmente falsas – com 653 conteúdos falsos e três verdadeiros –, em que apenas uma era verdadeira na Fato ou Fake e duas tinham essa etiqueta na Lupa. O resultado demonstra que o interesse não está na confirmação da informação – destinando ao jornalismo a função de informar corretamente –, mas à correção e explicitação das mentiras, sobretudo aquelas que circulam nas redes sociais digitais.

A curva do número de checagens obtida pelo estudo confirma que a atividade comunicativa do fact-checking acabou seguindo a tendência do desenvolvimento da doença daquele ano: sendo menor em seu início, entre os meses de janeiro e fevereiro de 2020, crescendo a partir de março com duas postagens por dia e decrescendo com a proximidade do abrandamento da primeira onda, no mês de setembro. Essa similaridade evidencia a importância de que a comunicação esteja sempre atenta e em correlação com as demais áreas do conhecimento científico – neste caso específico, a Saúde.

Infodemia

A origem da desinformação analisada pelas agências é outro achado interessante e que demanda atenção: das 656 checagens estudadas, 97% (638) partiram das redes sociais digitais. Porém, não foram apenas as agências que passaram a focar mais nesses espaços, pois até essas empresas de tecnologias digitais perceberam a problemática que existia nas informações falsas circulando livremente em sua rede.

Isso fez com que não apenas elas indicassem que um conteúdo é fraudulento, como no Facebook e no Instagram, mas também que limitassem as possibilidades de compartilhamento de qualquer informação, sobretudo naquelas potencialmente mentirosas, por meio da sua notificação, exclusão ou desmonetização. Entretanto, é preocupante notar que, após a eleição de Trump, no início do ano de 2025, várias destas políticas foram revogadas pelos responsáveis dessas big techs, colocando em risco mais vidas diante do cenário da infodemia de desinformação aqui exposto.

Esta conjuntura mundial, não apenas brasileira, conduz novamente ao resultado de que, na análise das duas agências nacionais, houve uma coincidência expressiva entre os assuntos mais checados: Política e Morte, sendo as duas principais, seguidas por Remédio e Prevenção. Nesse sentido, observamos que a alta frequência de Política revela a polarização ideológica que se vive no Brasil e no mundo, resvalando até numa crise sanitária global como a pandemia do novo coronavírus.

Politização da morte - Livro mostra a marca das fake news sobre a COVID-19 - infodemia de desinformação
O que mais se verificou, ao menos no campo comunicacional, foi uma outra doença: a infodemia de desinformação.

A Fato ou Fake e Lupa se mostraram atentas às questões sociais e políticas do nosso país, sobretudo ao selecionarem e perceberem que esses assuntos eram transversais e presentes na circulação da desinformação sobre a pandemia. A politização fica evidente em diversos momentos, não apenas pela relevância daquela temática, mas também quando se enfatizam questões como uso da cloroquina (Remédio), não necessidade de máscara (Prevenção), ataque a pessoas do Grupo Globo (Personalidade), fechamento de estabelecimentos (Distanciamento), entre outros aspectos, como as próprias temáticas China e Vacina, que foram e são constantemente criticadas por uma expressiva parcela da opinião pública.

É permitido concluir, a partir dos resultados apresentados, que os padrões das fake news sobre a covid-19 revelam uma forte politização, com uma presença predominante nas redes sociais em formato de texto, mas também de imagem, sobretudo para tratar de questões como Morte, Remédio e Prevenção, além das questões políticas relacionadas a figuras públicas do governo ou personalidades da mídia. A prevalência desses outros três assuntos se referem especificamente ao cerne da doença, como a sua consequência maior, a morte, bem como a possibilidade de se livrar dela, seja preventivamente ou após contraí-la. Desta forma, o fato de ser uma doença nova, com muitas questões desconhecidas sobre ela, também serviu como fator preponderante para a disseminação de desordem informacional em torno dela.

As principais estratégias de checagem aparecem de forma padronizada com foco no desmentir a desinformação, desde as etiquetas e a repetição da mentira até a estrutura narrativa e as formas de apuração, com uso predominante de links. Já o tipo das fontes parece estar relacionado à origem da agência e aos seus profissionais, mais ou menos relacionados à prática jornalística que empregam, e os recursos multimídia demonstram uma ausência de diversidade, algo que pode e precisa ser aprimorado.

É importante enfatizar que as agências são apenas um dos antídotos contra essa desordem de informação que se insere, principalmente, nos espaços onde a população dedica mais tempo na internet, as redes sociais. Elas precisam que as leis, as empresas de tecnologia e o letramento midiático ajudem e atuem em conjunto nessa luta para existir mais eficiência, garantindo que a verdade prevaleça em meio a tanta (des)informação falsa, ou a menos que a mentira não encontre um terreno fértil para ser plantada e disseminada livremente.

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